Dono
de uma narrativa marcada por reflexões e atenção a pequenos detalhes, Rubem
Alves lança novo livro de crônicas pela Editora Planeta. Recorrendo a lendas,
mitos, poetas, compositores clássicos, pintores, filósofos e escritores, autor
proporciona momentos de “incêndios” nos pensamentos, em seu melhor estilo.
Como não
se deixar envolver pela narrativa de Rubem Alves, rica em reflexões tão agudas
e sensíveis? Autor de mais de 80 livros, o escritor lança em junho Pimentas – Para provocar um incêndio,
não é preciso fogo (Editora Planeta, 224 pp., R$ 24,90). Trata-se
de uma compilação de crônicas sobre ideias e pessoas, sobre pensamentos que
incendeiam a mente e que levam a outras ideias. Daí o título do livro, conforme
explica o autor:
“Pimentas
são frutinhas coloridas que têm poder para provocar incêndios na boca. Pois há
ideias que se assemelham às pimentas: elas podem provocar incêndios nos
pensamentos. (...) Mas, para se provocar um incêndio, não é preciso fogo. Basta
uma única brasa. Um único pensamento-pimenta...”.
Dividido
em 74 pequenos contos, reflexões que brotaram na mente sempre criativa do
autor, o livro encanta por sua proximidade com a vida cotidiana de pessoas
comuns. “Pois qual é o dono de cachorro que nunca olhou para os olhos de seu
cãozinho e se perguntou: ‘O que será que ele pensa de mim?’”, indaga Rubem em Sobre gatos. E com a sua
tônica espirituosa, prossegue: “Alguém disse que preferia os gatos aos
cachorros porque não há gatos policiais”.
Religião
(histórias sobre São Judas, São Jorge e até sobre o diabo), animais domésticos,
noções de etiqueta, comida, gramática, literatura, poesia (o autor é um grande
admirador de Fernando Pessoa, Pablo Neruda, Adélia Prato e Manoel de Barros, só
para citar quatro grandes poetas), saúde e doença, velhice, sexo, homens e
mulheres, ciência, fé e morte. Nada escapa à mente de Rubem Alves, um
observador arguto da vida e de seus pequenos momentos, possivelmente
insignificantes para um olhar menos atento.
Os
sabores de suas pimentas estão exatamente nas pequenas e espirituosas reflexões
cotidianas:
“A
privada é o lugar onde estamos sós e ninguém tem o direito de nos incomodar.
Lugar de refúgio, santuário de solidão. Quando a gente está na privada, não tem
de se comportar direito, não tem de prestar atenção ao que os outros estão
dizendo. É um lugar de liberdade e honestidade.” (em Sobre a função cultural das privadas)
“Eram
seis da manhã. Minha filha me acordou. Ela tinha três anos. Fez-me então a
pergunta que eu nunca imaginara: ‘Papai, quando você morrer você vai sentir
saudades?’. Emudeci. Não sabia o que dizer. Ela entendeu e veio em meu socorro:
‘Não chore que eu vou te abraçar...’. Ela, menina de três anos, sabia que a
morte é onde mora a saudade porque lá a gente fica longe dessa terra tão
boa...” (em Dona Clara)
“Ao ouvir
uma música que me comove por sua beleza, eu me reencontro com a mesma beleza
que estava adormecida dentro de mim. (...) Eu me reencontro com a minha própria
beleza. Por isso a música me traz felicidade...” (em Minha música)
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